terça-feira, 27 de maio de 2014

Repetições insignificantes de um passado que ainda não passou.

Hoje é dia vinte e sete, de maio de dois mil a quatorze. Mais uma vez estou olhando pra ela, enquanto ela chora baixinho, sentada num canto da cama, recolhida, quase que em posição fetal, como se ela se guardasse, se protegesse de alguma coisa. De mim, eu acho. Eu não digo nada. Ela continua chorando, sem me olhar... Ao fundo sua playlist repete Placebo - Se ela soubesse o quanto eu odeio Placebo - Deve ser a quarta ou quinta vez que essa porcaria de música toca. “Protège-moi”. Há quanto tempo estou nesse quarto? Meu Deus. Sinto-me perdida, num frio cortante, num espaço vazio, um buraco que se fez entre nós, um vazio tão agonizante. E ela então me olha, o mundo parece recobrar a cor, um olhar quase que implorando por piedade, como se esperasse por alguma desculpa, alguma explicação, até mesmo um abraço ou qualquer coisa que a faça sair daquele estado caótico em que ela visivelmente se encontra... Nada. Não digo absolutamente nada. Minha mente fica à deriva, vagueando por entre os móveis, a cama, a aliança delicadamente colocada sobre a mesinha, a taça de vinho tinto sobre o criado mudo, um silêncio doentio dançando entre meus dedos que buscam por meu baseado já apagado no cinzeiro, nossas roupas no chão, o lustre, os quadros, minha respiração e cada uma das lágrimas que ela já derrubou nesse espaço de tempo... Meus pensamentos estão soltos no ar como as desculpas e outras tantas coisas que eu deveria dizer a ela e nunca disse.
- Você estraga as pessoas. – Ela diz, pausadamente, quebrando o silêncio e a barreira entre nós com uma voz tão pacifica que chega a acalmar qualquer vestígio de inicio de caos ou rebelião dentro daquele quarto. Eu paro e a encaro, firme. Enquanto ela tem seus olhos fixados na parede branca. – Você é uma idiota. Você deve sentir algum tipo de prazer babaca e sádico em foder com a vida de qualquer pessoa que se aproxima de você, que cruza seu caminho e quer seu bem... Eu odeio você. – Ela diz, enquanto diminui o tom. Inexpressiva. – Eu odeio você...
Eu já nem sei por que permaneço aqui, me sinto anestesiada, entorpecida, distante de mim, sinto meu corpo desobedecendo qualquer ordem dada pelo meu cérebro pra fugir desse apartamento o mais depressa possível, fugir pra bem longe desse ar que me sufoca e dela... Dela que me mata com um olhar, dela que me faz querer sair nem que seja pela janela, despencando nove andares abaixo. Sinto-me mal, minha cabeça dói como se eu estivesse na pior ressaca da história da humanidade. Eu já não entendo porque cedo às suas vontades, não sei por que fico pra ver o que acontece quando tudo isso acaba, quando o sorriso dela se transforma em ódio, quando o gosto do beijo dela amarga e quando meu baseado apaga. Ou quando ela joga nossas fotografias guardadas em molduras bonitas pela janela. Uma porra de mentira embalada. E lá fora chove... A vidraça quebrada por ela com o retrato de moldura bonita alguns minutos atrás agora deixa vazar todo o ar frio desse vento que nunca para, e obviamente que se faz em Santos hoje.. É madrugada. “Meu Deus, meu Deus... Que horas são? Eu preciso ir pra casa.” – Repito mentalmente.
Que porra de sensação é essa que me abraça? Porque eu sinto isso toda vez? Talvez eu sentir já seja meio caminho pra concordar que o clima estranho que se faz presente é minha culpa, como se fizesse parte de nós. Ela continua imóvel, intocada, nua. Eu me visto enquanto ela canta "Protect me from what I want... Protect me from what I want...". E me olha, como se fizesse pra me provocar, como se cantasse pra mim, como se a garota quebrada e sensível de três minutos não fosse mais ela, como se me desafiasse pra uma batalha, como se pudesse me matar. E pode. Dói. Dói de um jeito que eu jamais pensei que fosse doer. Sinto vontade de correr, descer as escadas dos nove andares do prédio dela, fugir. Sinto como se meu coração parasse a cada frase que ela ousa me dizer, sinto como se cada palavra que ela dirige a mim me atropelasse, me acertasse bem em cheio, passando por cima de qualquer reação que eu possa ousar ter. É como se o ódio dela arrancasse meu coração daqui de dentro e rasgasse toda a carne. Faz-me parecer pequena, me enfraquece, me inutiliza... A cada tentativa de revidar sinto como se as palavras ficassem presas na minha garganta, é sufocante, desesperador, como nas noites em que eu tenho sonhos que ela cai dessa janela e eu acabo parando de respirar por quase um minuto inteiro.
Eu já nem sei por que AINDA estou aqui, sequer me lembro de como vim parar nesse quarto e muito menos por que eu acordo na cama dela quase todos os finais de semana. Devo sentir prazer em parecer um verme perto dela. Nada nunca vai mudar. Eu nunca vou mudar. Estamos amadurecendo e as discussões já não nos levam pra lugar nenhum. “A gente fazia um casalzinho tão lindo que até hoje as pessoas perguntam por que é que a gente não volta.” – ela diz. “Bipolar.” – penso e sorrio, acho que estou chapada demais pra querer avisar pra ela que a vida não é e nunca vai ser nenhum comercial de margarina... Esboço movimentos leves enquanto calço meu tênis e ela me pede pra ficar, dou os dois últimos dois tragos no baseado e jogo a ponta pelo vidro da janela– Ou pelo que restou dela.
 Fica... Por favor... Fica.” “Não, eu vou embora, me solta!” “Não... Não me deixa.” “Eu não sei nem porque vim.” - Não sei mesmo, nunca sei.
Às vezes fico ensaiando diálogos que eu e ela bem provavelmente nunca vamos ter. Meus amigos dizem que eu mudei muito desde que ela se instalou em mim. Dizem que eu faço um puta drama mexicano com tudo isso. Acho que eles querem dizer que toda minha parte boa continua sendo ela. Talvez seja. Talvez fosse. Talvez a presença dela me torne um pouco mais doce, aquela porcaria toda sobre se tornar um ser humano melhor, sou uma peça com defeito, feia e sem encaixe, mas ela faz com que eu veja o mundo com um olhar mais positiva ou coisa que o valha. Eu não sei explicar. E tudo bem, isso já não importa. Ela sorriu... Eu olho diretamente pr’aquele sorriso e...
Caralho... Agora sei por que fico e amanheço ao lado dela... Eu não devo mesmo ter o mínimo de amor próprio, foda-se.



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