sexta-feira, 23 de maio de 2014

Pensées.

Ela se senta, mesa 07.
Senta na segunda cadeira, de costas pra porta e exatamente de frente pra mim. Eu observo cada movimento dela desde que ela adentrou esse bar. Ela folheia um livro qualquer... Não, espera, não é um livro qualquer, é um Fernando Pessoa. Poemas... Deve ser uma dessas garotas românticas que sonham com alguém que as faça sorrir. Poema costuma ser coisa de gente romântica, eu acho...
Ela é linda! Acho Que talvez até mais linda que esses tais poemas que ela gosta, tem os olhos castanhos, profundos... Do tipo que parece que vai atravessar a alma da gente sem tirar a gente do lugar, daqui mesmo deu pra ver, estão inchados, vermelhos, eu posso apostar que essa garota chorou a noite toda por alguma idiota. Tem os cabelos bagunçados, despenteados de uma forma bonita, até sedutora, num tom castanho extremamente apaixonante. O garçom se aproxima, ela pede algo forte, ele traz um uísque, da pior qualidade. Fico daqui imaginando, o que vai ser mais forte essa noite: o tal uísque ruim ou a dor que grita dentro do peito dessa garota?
Eu deveria me sentar ao seu lado, juntar meu café fraco com seu uísque ruim, juntar meu choro ao seu, juntar minha vida à tua. Talvez até a próxima semana. Talvez pra sempre. Eu não me importaria se fosse pra sempre, aliás. Penso que talvez eu possa mudar tudo o que se passa dentro dessa menina. Talvez eu peça o açúcar da mesa dela emprestado e sorria, e assim ela permita minha aproximação. Talvez eu conte alguma coisa engraçada e ela ache alguma graça, e então a gente engate um papo desconcertado, desconcentrado, livre, solto... Talvez ela levasse meu sorriso e um pouco de mim contigo na bolsa ao sair desse bar, talvez meu telefone estivesse anotado num guardanapo meio amassado, guardado no seu bolso. Penso que alguns dias depois ela encontraria o tal papel, amassado, dentro do bolso direito da sua calça jeans, talvez ela até se lembre de mim, e me ligue. Só me ligue, me faça um convite pra sair contigo quinta ou outra tarde qualquer, faz frio, talvez outro café quente cairia muito bem. Um café bem quente e seu sorriso. O café pra aquecer meu corpo e seu sorriso é pra aquecer minha alma. Sentaríamos na mesma mesa que ela sentou da primeira vez, só por causa da vidraça que vaza a luz e a deixa ainda mais linda quando bem iluminada, e então nós conversaríamos sobre uma dezena de assuntos aleatórios, minha opinião seria sempre contraria à dela de propósito, é claro. Ela me acharia chata. E charmosa. E eu a acharia mais linda sem aqueles olhos vermelhos e sorrindo. Talvez eu comentasse sobre aquele livro de poemas, diria até que escrevo alguns para lhe impressionar e ela iria acreditar. Talvez ela me inspirasse mesmo a escrever um poema, uma música, um texto ou uma simples frase. Talvez ela me fizesse suspirar que nem uma adolescente apaixonada por um ou dois meses antes de eu lhe pedir algo mais sério. Talvez pra mim já fosse sério desde o inicio, e a gente só precisasse de um pedido oficial. E ela teria comigo a tal vida planejada que sempre quis, ela sentiria comigo a sensação de viver dentro de um poema bonito e nós escreveríamos a mais bela história de romance do mundo todo. Teríamos uma casa amarela, com janelas grandes, iríamos ao parque aos domingos de manhã, passearíamos com o cachorro pela praia todas as tardes, eu a buscaria na faculdade, eu lavaria a louça, ela faria o jantar, jantaríamos juntas todos os dias, ela me contaria como seu dia tinha sido cheio e eu iria dizer que ela é linda falando de um jeito sério, ela me beijaria, me daria um tapinha no braço e iria rir, nós planejaríamos dois filhos, brigaríamos pela nome, eu a deixaria vencer, sempre, mas claro que depois de muita insistência e depois de ganhar dela aquela cara de brava linda que só ela saberia fazer. A casa teria um monte de quadro nosso e em todos eles ela estamparia sua felicidade e eu a minha em estar do lado da mulher mais linda que eu já vi. E nós ficaríamos lindas velhinhas, juntas. Pra sempre...
E veja bem, eu já escrevi tudo isso e ainda não sei como lhe sorrir e pedir o açúcar.


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