sexta-feira, 23 de maio de 2014

Cidade Cinza.

6h13. É uma manhã fria em São Paulo, nada muito fora do normal, chutaria uns onze graus no máximo. O céu é cinza, meia luz. O Sol ainda não nasceu e tudo bem, não há motivo algum para pânico - eu repito a mim mesma, numa tentativa inútil de me acalmar. Minha respiração é pesada, densa, quase como um sinal de que meu corpo parece congelar. O café forte e muito doce aguarda no parapeito da janela, já quase tão frio como São Paulo, eu ou a cama. Minha avó costumava dizer que quando a gente adoça demais o café, significa que estamos apaixonados, vejo que talvez ela não estivesse certa, mas também não estava de todo errada, hoje em dia o café é a única coisa doce dentro da minha vida. Hora ou outra, dou um trago no cigarro, que assim como o café, aguarda no parapeito, queimando sozinho no cinzeiro, aquele que eu roubei do motel. Eu não sei mais o que fazer, essa é a verdade, ando de um lado para o outro e não vejo saída pra tudo isso. No rádio, baixinho, uma canção qualquer embala minha manhã e minha solidão, servindo de trilha sonora pra esse horror. A música é animada, o cara da rádio também parece animado ao dar bom dia e anunciar a música. Rio e penso que ninguém acorda tão feliz assim... Quer dizer, talvez o cara da rádio tenha um motivo pra acordar feliz. Talvez todo mundo nessa porcaria de cidade tenha um motivo pra acordar feliz, afinal o caos e bagunça está apenas em mim, não nos outros. A verdade é que eu estou com quase 25 agora guria, veja bem, estou ficando um pouco velha pra sofrer de amor. Alguns passarinhos já cantam nas árvores e fios elétricos lá embaixo, alheios a mim e qualquer vestígio de solidão estampada na minha cara. Eu estou envelhecendo rapidamente sem você. Eu estou ausente de mim e me pergunto a cada segundo se isto é possível. Tornei-me o tipo de pessoa que nunca quis ser: Passo o dia ignorando a vida, lendo horóscopo de jornais de meses passados e aprendendo como fazer artesanato ou qualquer tipo de comida granfina e esquisita em programas de TV ruins com papagaios que falam. O café gelado na caneca agora acumula formigas e a cerveja da madrugada ali na mesa já parece um chá quente.
Choveu ontem o dia todo. Têm chovido muito em São Paulo. Eu tenho a mania idiota de acreditar que quando chove é culpa sua, ou minha por não conseguir chorar, sabe? Uma teoria maluca de que a chuva chora por mim. Acho isso. O vento que acompanha a chuva deixa a sala mais gelada que o comum. As paredes brancas parecem congelar o ambiente de tal forma. Um misto de frio, solidão e saudade. Um baque:  tudo de uma vez. Talvez nem seja mais saudade, talvez seja algum tipo de abstinência fodida inundando a casa, o corredor, a escadaria, a vizinhança, minha mente e eu. Mais eu que tudo. Pensando pelo lado sóbrio e realista de tudo isso, acho que me acostumei com tudo isso, entende? Com toda essa história de doer.
6h25. O tempo é rápido. O Sol ainda não nasceu. Eu acendo outro cigarro pra passar o tempo. Nada muda, nunca, nem vai mudar, eu sei. Meu sono é conturbado. Eu sempre acordo como se estivesse caindo. Você já teve essa sensação? De estar dormindo e sentir como se estivesse caindo... É isso que não me deixa dormir, a sensação de queda sem fim.
A canção que toca no rádio agora ecoa a sala, as escadarias, o elevador, a rua, o bairro, talvez a cidade inteira. Nossa canção. Malditas rádios populares, maldita música, maldita São Paulo, maldita você. A música acaba com meu resto de expectativa de viver bem sem você, a verdade é essa. Queria poder apagar você, passar por cima de você e dessa porcaria de história, de sentimento, diluir você, assim como a fumaça do cigarro se dilui ao vento gelado que passa e some. Queria te apagar...
Seu plano, de inicio, era sumir pra que eu te esquecesse? Sinto dizer que seu planinho babaca e medíocre falhou. Eu sinceramente gostaria de viver como se você nunca tivesse passado por aqui, como se eu nunca tivesse te conhecido, simplesmente ignorar sua existência ou nem ter noção dela, mas a cada hora que se passa nesse apartamento sem você é como se um punhal atravessasse minha alma, como se meu coração fosse dilacerado em todas as vezes que alguém cita você, pergunta como você está ou pergunta por que é que você foi embora. Sem você aqui não há luz, nem pra mim, nem pra minha cabeça. E pelo visto pra São Paulo também não... 6h40, o Sol ainda insiste em não nascer. Eu fiz o meu melhor, me desculpa se não foi o melhor pra você.


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