A manhã seguinte foi tão gelada quanto a noite anterior. Uma manhã fria mesmo, daqueles dias chatos demais pra sair de casa, pra estar longe de casa então... garoa fina e contínua. Dia cinza. A tempestade chegou antes que os olhos castanhos dela pudessem se abrir esta manhã. Eu acordei bastante quente embaixo do edredom dela, acordei e nós estávamos abraçadas - ainda. E embora isso seja bastante raro quando se trata de nós, foi normal e confortável pra mim estar com ela. Foi paz. Tá tudo sempre paz. Só foi difícil sair da cama e deve ser por isso que choveu, porque eu não fugi dela. Não hoje, pelo menos. Choveu praticamente a noite toda, inclusive.
Enquanto eu usava o banheiro do quarto, a porta entreaberta me permitia observá-la totalmente nua recoberta apenas pelo edredom em tons pastéis. E pra mim é só mais uma confirmação de que a filha da puta é linda até dormindo, bêbada, inteira babada por mim e drogada. Eu ri sozinha quando pensei isso. É tipo sonho, mas tão real que enjoa até, que cansa um pouquinho.
Fiz barulho propositalmente enquanto arrumava parte da bagunça que fizemos no quarto, mas ela não acordou.
Sentei na varanda e contei seis garrafas de vinho enfileiradas no canto, pensei que tivemos que andar muito pra comprar essas garrafas de vinho vagabundo. Minha dor de cabeça indica que bebemos demais, penso também que fumamos demais, que transamos demais e que foi incrivelmente bom demais tudo o que aconteceu, como aconteceu, e é por esses momentos que eu volto. Volto pra tentar viver algo que eu quis e hoje não é mais tão importante, mas o ego... o ego dita às vezes. Eu volto pra mexer com ela porque eu sou cuzona mesmo. Claro que não é vantagem se eu volto mexida igual. Muita coisa seria bastante divertida se eu me permitisse perder o controle sempre ou mais vezes. Mas eu sou complicada, eu não colaboro mesmo. Tento melhorar pelo menos pra ser feliz sem precisar transar com ela uma vez por mês ou mais. Sem auto afirmação vazia. Sem ceder pro ego e fazer coisas só pra mostrar pra mim mesma que eu posso e não exatamente porque eu quero ou devo, enfim.
Meu relógio apitou avisando que já eram oito horas da manhã, pontualmente. Pensei em fazer o café mas ela ainda dormia e eu não quis acordá-la mesmo. E eu ainda tentava assimilar acordar quase sóbria, mais de doze horas ao lado dela sem nenhuma vontade/tentativa de fugir. Sem resquícios de mágoas, nada mesmo. Estranho, até.
Acendi um baseado que achei perdido no cinzeiro, e fiquei alguns minutos imersa contemplando o silêncio insólito que minha cabeça fazia, apreciação de momentos raros onde eu quase consegui não pensar em nada, eu quis dançar ou cantar pra rasgar o silêncio, mas ela ainda dormia.
O ritmo matinal rotineiro do bairro dela não acompanhou meu pique. Eu tava à 100km/h, foda, ela ainda dormia no silêncio do bairro pacato e chato. À minha volta nada além do cheiro de chá de erva doce proveniente sei lá de onde que invadia a varanda aberta - talvez da vizinha com as crianças, do cheiro da minha maconha, do cheiro dela em mim, uma manhã chuvosa e um total silêncio. Respirei fundo pra controlar a ansiedade. Eu odeio o silêncio pra caralho. Silêncio é pontual pra mim. Quis gritar pra me sentir menos ansiosa e deslocada.
- Bom dia. - a voz de sono rasgou o silêncio, larguei o trago e o celular. Roubou minha atenção, acho que foi a primeira vez que eu vi essa otária usando uma calça de moletom.
Tudo tão perfeito que eu quis chorar.
Como é que um simples bom dia é capaz de me trazer tanta calma assim? O sentimento parece que às vezes volta certeiro igual esquiva seguido de soco na cara e nocaute. Eu revido, ele esquiva e eu tomo um soco na cara, cíclico pra caralho. A cada nocaute que eu tomo dela eu desconto transando com dez mina diferente pra tirar a memória sexual dela das mais recentes. O dia que eu escrever detalhadamente sobre o que nos separa, talvez eu me livre do sentimento. Talvez. Sei la também e só pra não perder o costume: que se foda. Hoje tá paz. Bandeira branca, maconha, buceta sem limite e calmaria. Carnaval pro meu coração.
Uedauel.
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