sábado, 30 de agosto de 2014

1424.

Ouço sua respiração. Assustada. Acordo e olho pros lados, não há nada. O quarto continua intacto. E é sempre assim, toda noite se repete. Levanto-me da cama, abro a janela e acendo um baseado na tentativa de acalmar minha solidão. E então me bate aquela sensação de que eu ainda posso ser quem eu sempre fui, a sensação que me faz sentir como se eu ainda fizesse parte da sua vida, uma sensação dolorosa que me faz sentir como se eu tivesse a obrigação de te salvar de alguma coisa. Nem que pra isso eu dê minha própria vida. E aí é a parte que dói. Suas memórias estão por toda parte, guria. É inevitável que a gente se encontre vez ou outra dentro deste apartamento, dentro de alguma gaveta, em alguma fotografia. Nós estamos lá. Estivemos. Encontro o cheiro do seu shampoo no meu travesseiro, seu perfume impregnado no meu lençol, no meu corpo, na minha existência. O seu sorriso contaminando a minha mente... Seu rosto está em todos meus sonhos e até a porra da marca bem vagabunda de cigarros me faz lembrar você com suas piadas;
Eu queria esquecer.
Olho pra rua, as pessoas passam apressadas. Os carros correm o tempo todo lá fora. Pra que tanta pressa? Dou um trago no baseado. Eu nunca vou entender a pressa do ser-humano em viver.

São 3h09. 

Sei que não vou conseguir mais dormir e tem sido assim há alguns dias, meses pra falar a verdade. Quanto tempo mais vai demorar pra eu superar essa porra desse sentimentozinho do caralho?
Volto pra cama, o espaço vazio me joga de um lado pro outro. A janela continua lá, aberta... Como se por ali fossem fugir todos meus medos, todos esses sentimentos.
Engraçado. A minha vida se repete, dia após dia. Você sai, você fica com outras pessoas, você se apaixona por outras pessoas, você trepa com outras pessoas e foda-se, eu continuo esperando pela sua volta. E isso não está me levando a lugar nenhum, sabe? Esperar pelo impossível. Toda noite você está na minha mente, toda noite eu já tenho certeza que vai haver alguma coisa que me leve até você, pensamentos, sonhos, saudade... Eu penso em você nas coisas mais simples da minha vida, nas coisas mais simples do meu dia e no momento eu me sinto totalmente incapaz de ser alguém melhor e ter uma postura melhor em relação a isso. Em relação a “nós”.
Eu NUNCA vou conseguir aceitar que você se foi. Você foi por todo esse tempo (e ainda é) a melhor coisa que eu já tive. E eu fiz com que você fosse embora.

São 3h52 agora. 

A janela continua aberta. Os carros continuam apressados. E, como toda noite, eu continuo tentando fechar os olhos. A janela continua aberta. 4h01. O frio rotineiro e matinal de São Paulo já invade o quarto. Tudo continua em silêncio. Tudo está em silêncio há tempos. Pelo menos o interfone ainda fala comigo, às vezes. Levanto-me, acendo mais um baseado e alimento um pouco mais da minha dor e saudade. Olho pra baixo. São doze andares até a avenida. Sempre me perguntei quanto demoraria uma queda até o chão. Isso estragaria as vitrines bonitas e pomposas da rua. Quanto tempo demoraria? A minha queda, aliás, a queda da minha vida demorou quatro minutos e seis segundos. Foi exatamente o tempo que você usou pra dizer que não me amava mais. Quatro minutos e seis segundo.  Mas quanto tempo levaria até o chão? Aposto que levaria apenas segundos e seria bem menos doloroso. Não tem volta. Respiro fundo. Trago o baseado. Continuo olhando fixo lá pra baixo. O vento frio bate no meu rosto, sequer deixa que as lágrimas escorram. Já não sinto o chão. Não posso mais me proteger de mim mesma, nem desses pensamentos. O baseado acaba, acendo outro logo em seguida, minhas mãos estão suadas, geladas... num piscar de olhos me encontro sentada no parapeito da janela. Ironicamente, sorrindo, imagino a sujeira que eu causaria quando encontrasse o chão. Sorrindo, prestes a cair do décimo segundo andar. Não há sacada. A queda é mais rápida que quatro minutos e seis segundos. Já não sinto mais dor. A sensação de liberdade toma conta do meu corpo. Estou livre, estou livre... E então meu grito acorda a vizinhança.
Assustada. O grito foi inevitável. Acordo e olho pros lados, não há nada. O quarto continua intacto. Eu continuo deitada na cama. Não há queda. E é sempre assim, toda noite se repete. Levanto-me da cama, abro a janela e acendo um baseado. E então me bate aquela sensação de que eu ainda posso ser que eu sempre fui, a sensação que me faz sentir como se eu ainda fizesse parte da sua vida, uma sensação dolorosa que me faz sentir como se eu tivesse a obrigação de te salvar de alguma coisa. Nem que pra isso, eu dê minha própria vida.

Eu vou acordar o vizinho, eu vou riscar os corpos, eu vou te telefonar...
... E dizer que eu só preciso dormir...




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