sexta-feira, 31 de maio de 2024

¿Por qué me miras si no me sacas a bailar?

Ela diz que eu preciso parar de escrever sobre coisas tristes. Como? Se eu já não sei mais como ativar a felicidade e nem sequer falo sobre isso, não que eu queira, mas sei lá. Acho que se eu pensasse menos em toda nossa situação, se eu sentisse menos o final dessa relação eu seria mais feliz.
Aí ela quer citar Dostoiévski e eu queria que ela me gritasse Maiakóvski. Que se foda ela e o que Dostoiévski diz sobre tristeza, então. Termino sozinha... Eu e Bukowski.
Às vezes a delicadeza do fim definitivo, mas nunca próximo, nunca definido, nunca claro, seja o que faça a engrenagem continuar funcionando, não sei. Só sei que é assim.
Talvez e só talvez o motivo da tristeza que me toma, que me mata seja a saudade que eu sinto de observar aquela mulher totalmente nua naquela sala. De contornar seu corpo despido com a ponta dos dedos com uma curiosidade infinita e pessoal, sinto falta das horas de apreciação mútua.
Agora tudo que vivemos é uma bola de meia de sentimentos, um bololaço tremendo, intenso e sem fim. Transas cheias de emoção e manhãs ruins. Passamos de atração mútua pra tensão mútua, manhãs onde ela quer falar sem ouvir, ter razão comprada e se ausentar de toda posição que exija assumir que ela também está errada e também tem culpa.
Ela me causa um certo receio agora, um pouco de agonia e uma certa saudade das manhãs de paz onde dançávamos aquela do Bituca na cozinha enquanto ela bolava um beck e eu tentava me entender com os botões da máquina que faz café pros boy. Agora ela me olha, me observa, até me corteja mas não me convida pra uma dança embalada e apaixonada.
Tudo sempre foi e sempre será sobre nós.
É a saudade das manhãs de paz que me destrói, uma necessidade de não ser alvo das provocações pueris e responder com transas banais e juvenis com aquela mina que ela não suporta. Porque ela sabe que eu sou explosiva e usa isso contra mim com total maestria. É foda. Ela me cega com um pano transparente. Logo eu que sempre fui observadora ao extremo em determinado momento da situação eu esqueci de me observar também. Eu fui me permitindo ser refém de um sentimento que nem sequer me convém. Eu não quero mais rivalizar nada.
Sabe quando você vive uma situação e pensa "nós ainda vamos rir de tudo isso"...?
Pois é...
Tanto tempo depois, eu ainda não estou rindo. Pelo contrário, eu ainda me assusto como parece que nós, mesmo depois de tanto tempo, não conseguimos nos conhecer mesmo muito. Isso nunca acaba. Nunca recomeça. Fica nessas. Estagnado.
Ainda me assusto como ela atrai o meu silêncio com determinados assuntos, mesmo eu insistindo que o diálogo é a única coisa que aproximava duas pessoas que se amavam. Eu não estou me isentando de todas as merdas que eu já fiz e muito menos falando que eu estou nem aí, eu só queria deixar pra lá mesmo. Não sentir, não pensar, não desejar que tudo fosse diferente entre nós e não viver essa realidade estranha onde eu sou dilacerada por sua voz, onde ela me corta em milhares de pedaços e faz eu entender a tristeza velada dos quadros do Van Gogh ou das linhas de Drummond. E entendi Van Gogh... Às vezes eu também gostaria de atirar no meu próprio peito e fazer isso parar.
E eu sinto muito que eu não saiba como reagir senão fugir e escrever sobre isso pra me livrar do que eu me auto aprisiono.
Eu sinto muito que mesmo depois de anos de relacionamento e o dobro de anos de spin-offs, voltas e voltas... eu não tenha mais sentimentos pra queimar e saciar.
Eu sinto muito. Acho que nós nunca fomos próximas de verdade. Além das horas destinadas aos atos sexuais, nunca tivemos muita intimidade.
Eu sinto muito, muito mesmo em pensar que não importa o número de vezes em que ela tirou minha roupa, beijou minha boca, não importa as centenas de linhas que eu escrevi sobre ela, sobre nós, sobre sua buceta, sobre sua voz, linhas onde eu me declaro, a fodo ou a odeio, não importa... Isso não quer dizer nada, eu acho.
Eu ter escrito mais de cem poemas para ela jamais nos farão conhecidas.


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