quarta-feira, 26 de março de 2025

boo! #01- O Quadro

Daniel estava radiante. Tinha conseguido o primeiro e tão desejado emprego no mesmo dia em que estava completando dezoito anos. A comemoração seria dupla, pelo emprego e pelo aniversário.
- Que sorte! - repetia o rapaz, cheio de alegria.
Durante a noite, enquanto aguardavam o jantar de aniversário ficar pronto, Daniel contava sobre todos seus sonhos, tirar carteira de habilitação, talvez um carro se der pra juntar um dinheiro, ajudar com as contas de casa e tantas outras coisas... A mãe se dividia entre escutar os planos do filho e a lasanha no forno, enquanto o pai lhe dava um sermão sobre as novas responsabilidades que a maioridade traria. Foi uma noite memorável pra Daniel, que devorou seu prato favorito, assoprou as velinhas, abraçou os pais e foi dormir. O rapaz mal podia se conter de tamanha ansiedade. Começaria somente na próxima noite.
Na manhã seguinte acordou radiante e nervoso, o que fez parecer uma eternidade até que chegasse a hora de seu primeiro turno. A mãe orgulhosa, olhava da porta do quarto o jovem arrumado para seu primeiro dia. O emprego era legal, uma empresa pequena, na cidade vizinha, não muito longe de casa. Daniel trabalhava finalizando as caixas com fitas adesivas para que fossem transportadas pela manhã. Trabalhava juntamente com um senhor da idade de seu pai ou até mais velho, não se sabe, a única coisa que Daniel sabia sobre ele era seu primeiro nome, que ele era descendente de algum lugar da Ásia e que ele era muito calado e falava somente o necessário. Não que isso incomodasse Daniel.
Como trabalhava no período da noite, não tinham tantos funcionários assim então tudo era sempre um total silêncio. Parcialmente escuro, corredores, salas, tudo escuro, mais metade do galpão onde Daniel ficava era apagado, além de naquele espaço ficarem somente ele e o colega de trabalho. E isso também não incomodava Daniel.
A única coisa que o jovem achava realmente estranho era um quadro, no corredor ao lado do refeitório. Um corredor longo e apagado, mas o quadro era iluminado por uma pequena luz diretamente voltado para ele, como se a pessoa proprietária do quadro fizesse questão de exibir aquilo, dando destaque a ele e fazendo qualquer um o enxergar com bastante nitidez. Um quadro cheio de olhos e uma única boca, os dentes pareciam em alto relevo como se fossem dentes de verdade. Daniel olhava e aquilo parecia se mexer como se olhasse pra ele de volta, ele poderia jurar que viu aqueles olhos estranhos piscarem alguma vez. Ele sempre sentia seu coração acelerar quando olhava para o quadro. Sempre. Uma sensação estranha no estômago como se aquilo fosse vivo. Como se o observasse. Senti medo ou repulsa. Não sabia distinguir bem.
- Não olhe muito para o quadro e nunca olhe o quadro de perto. Não pertence à você. - disse o velho com quem trabalhava, assustando Daniel, que achava que estava sozinho no refeitório. Daniel não quis perguntar porquê, na hora pensou que pudesse ser uma piada, uma pegadinha. Mas o tom de voz do velho foi seco e sério.
Daniel não conseguiu parar de pensar nisso. Passou o dia todo com o quadro na cabeça como se aquele quadro horrível o atraísse.
Na noite seguinte, o velho não foi trabalhar. Daniel tentava se distrair sozinho naquele galpão escuro e vazio. Já não tinha trabalho pra fazer, então o silêncio ficou incômodo dessa vez. Daniel tentava lembrar de coisas boas e de tudo que pudesse tirar o pensamento das falas do velho na noite anterior, mas nada ajudou.
Na hora do seu jantar, se dirigiu ao refeitório devagar, como se soubesse que em poucos minutos estaria na presença daquele quadro estranho.
E realmente, lá estava o quadro. Exatamente igual. Daniel não queria olhar muito, evitava. Mas a luz atraía seu olhar.
- É só a porcaria de um quadro estranho e de mau gosto. - pensava o jovem.
Mas o misto de curiosidade e medo tomaram sua cabeça, ele se dirigiu até o corredor. Parou no início e ficou lá... Encarando o quadro e... Nada aconteceu. Pensou por alguns segundos que tinha vencido o medo. Daniel riu e deu alguns passos em direção ao quadro. O corredor completamente escuro. A única luz há alguns metros dele, iluminando somente o quadro, que parecia se mover como se fosse vivo, como se aquela boca com dentes fosse capaz de devorar qualquer coisa que se aproximasse e os olhos observassem cada passo dado. De repente Daniel foi tomado por um frio na espinha tão gélido que não saberia explicar nem se quisesse, seu coração apertou, sentiu um peso estranho sobre seu corpo, sabia que não estava mais sozinho. Tentou correr e suas pernas não o obedeceram, sua voz parecia presa, se sentiu como naqueles sonhos em que não se consegue simplesmente acordar e acabar com tudo. Daniel sentiu toda a felicidade, jovialidade, vigor, sangue, tudo sendo drenado de seu corpo, uma dor horrivel no rosto e sem perceber o rapaz simplesmente desmaiou.
Acordou não se sabe quanto tempo depois, tentou abrir os olhos mas nada via, seus olhos haviam sido arrancados e no lugar dos olhos haviam apenas dois buracos negros e profundos, não conseguia se mover, gritou mas ninguém poderia ouvi-lo até pelo menos a manhã seguinte. Daniel sabia que não sairia dali nunca mais, sabia que não era um sonho, sentia a dor horrível em seu rosto, sentia o sangue escorrer pela sua face, sabia que nunca mais voltaria pra casa. Não havia mais o que fazer. A última coisa que Daniel ouviu, foi uma voz conhecida, que aparentando estar distante, disse:
- Quem olha muito para o quadro tem seus olhos e alma roubados.


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2 comentários:

DerK😈 disse...

Sem-sa-cio-nal 👏🏻👏🏻👏🏻
Já quero um quadro desses hu3hu3hu3hu3 😈

Moranggo disse...

🖤