sexta-feira, 25 de agosto de 2023

rebordosa

A cidade, em silêncio, dorme. Há horas o silêncio paira no ar, junto com a baixa temperatura.
Daqui de cima não vejo movimento, tudo lento, acelerada mesmo só nós duas. O vinho, as drogas, o cansaço que eu sinto dessa semana, desse mês, dessa vida, sei lá, indica que eu também preciso dormir. Mas não consigo. Não aqui. Não com ela. É uma quarta feira e eu acho que não deveria estar bêbada. Odeio Agosto e essa semana tem sido muito triste pra mim, uma grande nuvem cinza que não passa, que não cessa. Vim pra ver se ao menos ELA pudesse tirar um sorriso daqui, mas nada do que tenho aqui, agora, de realidade na minha frente torna isso possível ou agradável, caralho. Ela, essa cidade, a terceira garrafa de vinho já pela metade... acho que só queria um abraço e ela me deu buceta, e nem mesmo a foda dela me animou, daqui a pouco ela me puxa pra dentro dela de novo e eu não consigo ficar feliz porque eu sei que não era exatamente isso que eu buscava hoje, não foi o que eu quis. E a culpa não é dela, de fato, é minha por ter projetado e esperançado uma salvação que não virá.. não dela, pelo menos. Definitivamente a felicidade que eu busco não está aqui.
Mas lá estava eu... bêbada e vagueando o ambiente com a mente enquanto ela fala sobre os problemas dela de ricos médios, enfim. Nada nesse repertório que me convide pra uma conversa sincera, que me interesse. Ela fala coisas distantes da minha realidade e nada nessa mulher torna minha aproximação concreta e razoável de novo, como é que pode isso? Eu acho que foi mais fácil a aproximação, a conversa, o assunto quando eu era mais nova, mais louca, mais apaixonada, mais lunática, quando essa mina playboy não fazia meu coração parecer um brinquedo à venda na prateleira com um selo da tectoy, quando eu encarava tudo isso como um conto de fadas. Hoje eu sou a bruxa, louca, prazerosamente má e sensata.... Às vezes só venho pelo vinho, pela vista, pela foda, pra marcar território. Sei lá porque eu venho, foda-se que eu venho também. Uma foda a mais, uma a menos... não faz tanta diferença assim. Minha vida sempre será atrelada à dela e isso é um fardo. O motivo é pouco importante depois que eu coloquei mais uma vinda nessa estante. Acho que não deveria escrever enquanto o sentimento ainda borbulha também porque eu nunca sei exatamente o que falar, às vezes as palavras não me encontram. E não fazem sentido.
Mais uma vez o peixe francês nadou rio acima, contra a maré, contra tudo e todos e mesmo tendo todos os rios e mares e uma infinidade de possibilidades de amores desses que fervem o peito disponíveis pra se jogar... o peixe estava lá. Acho que eu nem preciso falar mais nada, né? O peixe sempre se enfia em um aquário minúsculo e apertado. Mais uma vez o nono andar sendo palco de tudo, sendo o aquário de luxo do peixe francês.
É foda.
Eu gosto dessa mulher e não queria gostar.... Porque eu sei que ela consegue tirar de mim o melhor e o pior, e quando ela tira de mim o pior é alguém que eu há tempos já não quero mais ser. E não sou... E luto pra não ser. E gosto de não ser.
Eu sei que ela gosta de mim e eu queria que ela não gostasse, porque eu não posso querer que ela seja da forma como eu idealizo... mas eu acho que seria tudo tão melhor se ela fosse um pouco menos louca, um pouco menos linda.
Eu sou pertencente à essa atração maldita.
Eu entrego pra ela, no presente, um looping do passado. A mesma coisa toda vez, sempre que acaba parece ainda mais inacabado. Ela quer uma foda sem sentimento, mas comigo não tem mais como porque o sentimento, mesmo que eu seja mestra em fingir que ele não existe, ele está lá.... gritando. O amor não é tudo quando se tem corações imaturos, não tão dispostos, o amor não muda porra nenhuma se nós duas não conseguimos lidar sequer com os adjacentes, com o issues... E honestamente depois que ela goza e eu saio de dentro eu me encontro numa culpa imensa.
Eu sinto, eu penso, não consigo ser robótica.
Toda vez que transo com ela me sinto mesmo presa dentro de uma caixinha, um aquário.. Mesmo tendo esse apartamento gigante inteiro pra caminhar e respirar.
Se ela sabe o que eu penso, ela sempre prevê minha reação. Eu queria pular daqui, heroicamente de paraquedas. Me teletransportar pra minha casa. Eu queria correr até o canal 01, lá na ponta oposta. Eu queria jogar minha taça de vinho lá embaixo. Eu queria ter pelo menos UM amigo que não lembrasse de mim só quando quer comprar drogas. Eu queria gritar. Eu queria dar um tiro no teto, abrir um buraco, quebrar uma janela, respirar, me divertir.. Só que ao invés de qualquer opção dessas, eu escrevi 3920 caracteres pra conseguir me livrar disso.
Mas é a sensação que fica... amarga. Como ela mesma fala: rebordosa. E é justamente isso que eu mais odeio, essa é a sensação que ela me causa... ela faz a minha mente parecer um ambiente extremamente pequeno e abafado.
Um aquário, de fato.
E eu só queria respirar.


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