É sobre nós, de novo.
Outra madrugada que se repete, tudo igual. A gente na varanda do apartamento dela, bebendo whisky e fumando droga, porque é disso e só disso que a gente gosta memo. Mas tá paz. Hoje a gente é só um casal comum, um caos banal. Tudo segue o curso das coisas de forma normal.
De novo nós duas envolvidas, né?
Eu disse - depois da última - que não viria, né? hahahahahaha
Mas aqui estamos... Eu sempre volto e ainda me surpreende nossa capacidade e audácia de nos encarar como se nunca tivéssemos cogitado o contrário disso que tá rolando aqui, como se ela não fosse uma maluca que surta pela manhã por um motivo que eu nem vou comentar e daí me repele com tanta certeza. E como se eu não fosse a filha da puta que transa com as mina que ela odeia, sem intenção que ela saiba, mais na intenção de satisfazer meu ego. Mas ela sabe. Ela sempre sabe.
Enfim... olha só pra nós, aqui estamos, convivendo o mais intimamente que podemos, fingindo que ela não entra em crise existencial quando a gente fica perto demais. Fingindo que eu não acho insuportável estar nessa cidade sem me foder e me afundar na ansiedade por gatilhos banais.
Falando sério...
Como fugir de algo sem me sentir aprisionada à isto?
Sem fazer do quarto dela minha cela de alto padrão?
Eu acho que ela era mais amável antes, pelo menos eu acho que antes eu entendia a linguagem corporal dela, as expressões, o amor, tudo me soava muito claro. Ou talvez meu sentimento só fosse maior porque ela estava inteiramente recoberta pelas minhas expectativas quanto a nós, e totalmente colorida dos pés a cabeça por minha cegueira emocional causada pelo afeto que eu inventei de sentir e pela líbido? Acho que, caso seja possível isso, eu tô cada dia mais autista.
Como não sentir que é algo inacabado, como uma gaveta aberta que eu preciso fechar?
Tipo um ciclo que a gente fecha, mas aí ela volta com uma cara nova, aí a gente abre um novo, sabe?
Sei lá. Vai ver é obsessão o nome. O pai dela disse, há uns dois anos atrás, que acha que a gente ainda casa e juro, não sei se acho justo ou tenho medo disso realmente acontecer no futuro.
Abri a sacada e deixei o vento correr o apartamento todo, venta muito aqui, parece que venta todos os dias, pelo menos os que eu venho. Em vinte segundos não tinha mais nada da cortina de fumaça que a gente produziu aqui. Em todos os sentidos. A gente então se encarou... odeio quando ela me olha diretamente no olho, é como se ela fosse me ler completamente. Tremo, desvio, não consigo manter ou fazer contato visual sempre. Eu tô cada dia mais auti... Ah, deixa pra lá. Ela me contava sobre um filme que ela viu, eu acho. A gente se olhava com afeto e eu bolei mais um enquanto pensei que eu gosto mesmo dela. Que eu gosto dela pra caralho. Sem esforço, sem motivos. Lembrei do quanto ela é puro amor, quando quer. Lembrei dela sentada na praça, num verão desses qualquer, fabricando nuvens com as flores que eu trouxe. Tenho várias fotografias dela em momentos banais, várias e várias memórias impressas em papel e muitas lembranças íntimas e inanimadas na memória do meu celular. Gosto de guardar cada momento onde eu acreditei que o amor dela por mim fosse verdadeiro.
Porque às vezes me esqueço disso.
Esqueço disso porque às vezes a cama dela fica áspera, uma textura que não me soa confortável ou convidativa, o beijo não tem encaixe, esqueço disso quando as palavras engasgam, quando eu não sei o que fazer, quando ela chora com qualquer coisa que eu falo só porque eu não rodeio nada, quando a gente geme bem mais do que conversa, não que eu não goste, mas eu não sei se tô mais na idade e vibe de ir tão longe só por uma trepada. Esqueço do quanto eu gosto dela quando ela esquece que gosta de mim também. Eu sou boa em retribuição. Queria que o que sentimos uma pela outra fosse resetado, que pudéssemos começar de novo, nos conhecer de novo, com mais tranquilidade dessa vez, que nosso amor uma pela outra fosse mais que um elefante filhote desajeitado se divertindo em uma loja de cristais, mas sei que isso é só é a minha projeção. Talvez eu goste mesmo que dê errado porque assim mantenho tudo descompromissado, eu gosto mesmo de não ter, de não ser, nunca pertencer, vai saber... Eu nunca vou descobrir, mas talvez se a gente tivesse dado certo no início não teríamos chegado tão longe.
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