sábado, 12 de fevereiro de 2022

Casualidades, repetições e situações isoladas, enfim.

Entrei naquele elevador como uma flecha, de tão rápida que eu me sentia, minhas mãos suavam e eu duvidava verdadeiramente da realidade que acontecia à minha frente. Foi uma das poucas vezes em que estive sozinha ali dentro e quando dei por mim eu estava mesmo lá, me encarei no espelho do elevador por alguns segundos. E eu estava MESMO lá, de novo, uns cinquenta quilômetros longe da minha casa e cento e cinquenta reais mais pobre perdidos pra Uber só porque eu queria encontrar algum conforto em algum lugar no mundo e ver um rosto conhecido. Ela foi a primeira pessoa em quem pensei quando acordei, hoje. A mensagem que chegou - e foi pura coincidência - me convidando, veio num tom de salvação.
Não demorou até que o elevador chegasse ao andar de número nove e lá estava ela. O mundo dentro da minha cabeça fez silêncio por meio segundo quando eu a vi. Eu ainda me surpreendo em como ela me atrai no estado mais puro da atração mesmo, na máxima, no mais high que a atração pode chegar, e em como às vezes atravesso todos esses quilômetros rapidamente só pra olhar pra cara dela, só porque eu preciso muito olhar pra cara dela mesmo, real. Ela é a coisa mais neutra da minha vida, um ponto de paz, quando a gente levanta bandeira branca uma com a outra ela me reinicia, alguém que não faz parte da minha rotina, mas está sempre ali. Eu sou fã demais dessa cara de maconheira que ela tem, da fala lenta, dos olhos que fecham quando ela sorri... Eu gosto dela. Eu gosto pra caralho dela. Eu sempre gostei.
Já me aguardava na porta, cabeça apoiada no batente, o cabelo bagunçado, a cara de sono, de pijama, descalça, crua, sem grandes expectativas comigo, enquanto aguardava que eu subisse. Era quase madrugada já, pra mim ainda era cedo pra caralho mas quando cheguei acelerada e a vi assim, slow, me senti inconveniente pra caralho mesmo sabendo que se ela não pudesse ou não quisesse me receber eu nem estaria aqui.
"Tu parece coisa da minha cabeça, parece lenda. Só aparece de madrugada... Pra me comer." - ela disse e revirou os olhos balançando a cabeça e a expressão séria dela me fez rir. Eu amo o humor ridículo dela porque é exatamente igual ao meu. Ruim. Nós nos entendemos bem.
Me abraçou forte, beijou meu ombro, meu pescoço - como sempre - mas não completou o trajeto, não me beijou os lábios e eu confesso que senti falta. Caminhamos juntas até o quarto buscando contato uma com a outra de alguma forma, dentro do quarto dela ela me olhou séria e me perguntou se eu tinha alguma predileção por visitar as pessoas durante a madrugada. Perguntou se eu não poderia aparecer pra um dia de Sol ao lado dela, ouvia cada palavra enquanto arrumava tudo que me soava desorganizado sobre a mesa, ela me perguntou se eu não poderia ser normal pelo menos um minuto da minha vida e eu dei risada, pedi um cigarro e me acomodei na cadeira do quarto. Me senti bem e protegida de alguma forma.
"As pessoas não, só você." - respondi enquanto ela bolava um beck. O cheiro dela me lembra a madrugada. O silêncio foi o barulho prevalecente na nossa conversa aquela noite. O silêncio na minha cabeça é violento, tem cheiro de problema, explode. E ela me entende e me respeita mesmo que eu não fale nada.
Eu me olhava no espelho do quarto como se a qualquer momento meu coração fosse parar mesmo, tenho mania de me olhar em espelho quando tô ansiosa. Olhava pra mim e olhava ela na cama, repeti o desvio de olhar algumas vezes e ela seguiu deitada, fumando um beck,  me seguiu com o olhar enquanto eu andava até o banheiro. Ela me olhava quieta e calma, paciente. Tão paciente que eu me senti bem. Confortável mesmo que minimamente. Às vezes eu esqueço como socializar, esqueço como iniciar uma conversa, como conduzir, foda-se. A humanidade é um saco porque eu seria diferente? Pra que fazer amizades se eu não posso ser honesta com ninguém? Se ninguém está de fato interessado em mim. Tanto faz.
Fiquei me encarando no espelho do quarto dela, ia pro banheiro. Voltava. Eu nunca consegui ficar muito quieta. Quase desci até o hall e voltei só pra não parar o movimento. Me distrai em algum momento ela se levantou e me abraçou por trás, deslizou as mãos no peito, beijou minhas costas e apoiou a cabeça entre meu ombro e pescoço. O toque foi sutil, cuidadoso, eu me senti acolhida, sei lá. Me perguntou - entre um beijo e outro nas minhas costas, abraçada - se eu ainda não tinha aprendido a ficar parada e eu ri. Não consigo mesmo. Sempre balançando, andando, sei lá. Ela sempre deu risada disso, enfim. Nem era disso que eu estava falando, mas por um momento eu obtive paz. E eu sempre falo sobre isso, sobre paz. Por um momento a bandeira branca foi levantada mutuamente e notei o quanto estamos ficando boas nisso com o passar dos anos. Em nos respeitar. Em nos aceitar e nos querer como somos mesmo.
Pensei no que ia falar quando a visse, pensei em me desculpar sem necessidade, mas não disse nada, me abraçou mais apertado e eu me senti vitimada pelo afeto dela, foi bom e genuino. Eu não queria olhar muito pra cara dela porque não queria receber nenhum julgamento. E ela, de alguma forma, me julga sempre. Mesmo que não queira, mesmo que não perceba, mesmo que o faça sem ser intencional, mesmo que ela seja neutra ela o faz, ou talvez também nem julgue nada e isso seja apenas minha própria cabeça porque às vezes eu me sinto mesmo um pouco culpada. Não importa. Então eu tenho a sensação de ter que me defender, de ter que me explicar. Mesmo que eu não tenha que fazer porra nenhuma. Eu não devo nada pra ela. Mas ela é praticamente capaz de ler meus pensamentos, isso é tão foda que ela reconhece a brisa que eu tô só pelo jeito como o qual eu olho pra ela, o beijo, minha postura, o jeito como minhas mãos se movem, ela é um bagulho de louco ... Ela me conhece melhor que ninguém e isso me rasga por dentro, queima meu peito porque eu queria ser melhor pra ela, com ela... mas eu ainda sou egoísta demais pra isso. Mas hoje, e só por hoje, eu encontrei a paz que eu buscava.
"4h46 agora. Vai amanhecer. Eu tô com você. Mas vamo pra cama? Eu levo um espelho pra tu se olhar deitada também." - meu corpo relaxou por um momento e eu me senti brecada. Talvez a voz de sono dela seja a solução pra tudo de ruim que eu sinto.
Câmbio, desligo.


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