3h19
O que aconteceu com o rato depois que a brisa do ácido passou, e ele conseguiu algum nível de raciocínio - e o mínimo de consciência, amor próprio mesmo - e fugiu da gaiola, mais conhecida como o nono andar, o apartamento dela? Pra onde ele estava indo? Qual o motivo do rato ter fugido?
É... rato não pensa. Rato faz. Rato calcula tudo tão rápido, mas não pensa. Só analisa a melhor rota de fuga e foge, porra. Rato é bom de fugir. Acho que rato não tem muita inteligência mesmo, mas é perspicaz... certeiro. Não sei. Só sei que foi assim. Ridículo, pode falar.
Há inúmeras ligações dela, minha bateria está quase no fim e eu não vou atender. Mesmo. Vinte e três ligações. Ela deve achar que eu fiquei louca, mas acredito que a opinião dela não me soa muito importante agora, não é mesmo? Nunca fiz o melhor pra ela, ela nunca esteve em primeiro lugar, isso é o meu maior defeito: egoísmo.
Eu tô aqui na minha idiotice e no mais puro e simples prazer em fazer merda, me divertindo pra caralho com a situação, sempre fui maldita, brincando com coisas sérias, queimando sentimentos, paciências e desgastando humores por hobby. Eu só penso em cifrão, hoje é esse o motivo pelo qual eu vim, e pra ser sincera não haveria outro motivo para vir, hoje. Cash rules everything around me. Sigo o fluxo. Conto com a sorte.
Mas... é muito louco o que eu sinto quando atravesso do hall pra dentro do apartamento. Quando foi que o local de maior acolhimento virou prisão, tortura? Sei lá, mas só consigo pensar que essa social está chata pra caralho e eu nem deveria mais estar aqui. Não fico a vontade, algo no ambiente me deixa alerta e nada, naaaada confortável. A brisa foi legal, mas olha só o mal que a sobriedade ou quase isso traz: sentimentos assim. Meu cérebro já gastou todos hormônios de felicidade e equivalentes há algumas horas atrás e nem o md consertou o mal estar. E agora eu tô aqui... o que é que há? Eu me sinto constantemente deslocada, onde quer que eu esteja, e pra ser honesta ela se tornou praticamente uma estranha pra mim, uma estranha com quem eu já tive o ápice de intimidade? Foda... Foda-se, as pessoas mudam constantemente e acho que ela já não me conhece também, nenhum pouco. Eu não pertenço à lugar nenhum, me sinto livre igual incenso, mas aqui... Aqui menos ainda. Aqui, além da não ter sensação de pertencimento, há a sensação de desconforto. Por algum motivo eu me sinto sempre atacada pelos amigos dela, sempre. Não é impressão e sempre foi assim. E eu não entendo quase nada do que ela ou os amigos falam, nada contra, mas também nada a favor. Neutro. Mundos diferentes. Eu sou fechada, eles não conseguem derrubar o muro, não é antipatia, mas sorriso é a maior intimidade e é sempre importante ressaltar que não temos nada em comum, nada juro, sem exagero. Isso nos distancia. E eles... Eles não me entendem também, típico, e eu sei o porque eles gostam de mim. O básico. O de sempre. O normal. O esperado.
Mas eu... Estava lá. Eu caí em mim e eu estava mesmo lá, caralho eu vou mesmo escrever sobre isso de novo???? Vou. E não é nem mais um formato de desabafo, é só explicação rasa, nem devo.... Mas eu quis. Quis escrever pra ver se eu vou rir disso depois, da fuga ou talvez eu só queira contar e tirar isso logo da minha cabeça e esquecer de vez essas minhas atitudes ridículas.
Minhas mãos soam, eu a encaro por alguns segundos e o olhar dela me pedia para tirá-la dali. Ela iria pra qualquer lugar comigo, naquele momento... e eu poderia levá-la. Fácil assim. Tudo que eu já quis muito, tudo que eu esperei muito nas minhas mãos. Mas... mas eu não a quero comigo em lugar nenhum. Onde ela se encaixa na minha vida? Em qual cenário? Nenhum.
E foi aí, exatamente nesse olhar que ela estragou tudo. Minha respiração ficou acelerada e de repente um misto de ansiedade com desespero e eu estava lá ridiculamente correndo MESMO, juro, sendo clara: fugindo, correndo no asfalto frio do bairro de playboy dela rumo à minha casa... Saí de volta pro hall, desesperada, apertando o botão do elevador cem vezes, antes que alguém perceba, antes que alguém pergunte o que estou fazendo. Não tenho resposta, tenho é necessidade de sair daqui. O elevador não veio. Rato não pensa, caralho, rato foge. Eu fui pelas escadas, no sexto andar acendi um beck já achando graça da situação, eu roubei a placa que indicava a mangueira de incêndio. Eu coleciono placas e isqueiros. E aparentemente amores mal resolvidos e situações emocionalmente traumáticas também. A superação é problemática mesmo, mas o pós é ainda pior. Pra ser sincera, eu queria só normalizar a situação.
Eu adoro essas saídas estratégicas, sem ninguém notar. Juro, foi assim mesmo. Na base da fuga que eu saí de lá, eu precisava somente respirar, e NÃO estar entre paredes, presa no concreto, eu não consegui evitar, eu não consegui. Me senti presa mesmo, foi exatamente assim que me senti. Dentro de uma caixinha quadrada com paredes de cores frias, me senti mesmo igual o rato correndo o dia inteiro dentro da gaiola, me senti tentando respirar num ambiente sem oxigênio, cada vez menos, até sufocar. Eu olhei pra ela e foi como se eu estivesse entre pessoas que nunca vi, e ninguém me conhecesse também... Eu não consegui evitar. Por um momento eu senti que saltaria do nono andar só porque essa seria a saída mais rápida. Rato não pensa... Eu não consegui evitar. Não pulei, mas atravessei dois bairros inteiros correndo, até encontrar meu amigo, só porque eu não queria estar sendo tocada por ela, pelas mãos dela, não estar debaixo do olhar dela.
Ela, ela, ela, ela... Do que adianta eu me arrepender se não vai mudar nada? O arrependimento é só mais um peso pra carregar. Je ne regrette rien, caralho. Não há arrependimento, apenas confirmações e tudo que vier depois disso é apenas consequência dos meus próprios atos, importante estar ciente. E a minha parcela de culpa eu assumo, mas culpa é peso também. Quero deixar claro que eu gosto de me colocar em situações embaraçosas para ver qual a melhor forma de fugir. Alice não entendeu quando eu contei, percebi pela expressão que ela fez. Mas eu tenho muito disso, de fugir mesmo, de correr, de não estar perto, de respeitar minhas vontades, dessas coisas todas, acho que perdi o toque, o tato, e tudo o mais. A cena foi assim ela se distraiu e puff, eu estava lá, descendo calmamente as escadas. Mas fugindo. Bem típico do rato conseguir sempre escapar de qualquer forma, em qualquer situação. Escapista até na forma como eu saí do apartamento, maior estilo Harry Houdini, criando uma realidade muito melhor pra mim, onde ela não exista, até que então ela deixou de existir mesmo. Isso é fuga prática dos lugares e não somente das situações. Eu sempre vou fazer o que eu julgar melhor pra mim, sem calcular as mágoas ou más impressões que vou deixar pelo caminho. Sempre dá pra lidar com isso depois, mas eu quase nunca quero.
E sobre minha fuga: tô longe ainda, mas o desespero em estar ou parecer vulnerável faz com que eu não pare de correr, cada segundo ali me matava, odeio estar entre desconhecidos e eu poderia mesmo ter pulado do nono andar. E ainda assim eu não conseguiria chegar em casa correndo nem que eu fosse o próprio Usain Bolt.
Mas eu... eu sempre corri, né? Eu só penso em mim blá blá blá.
Eu tô cansada.
Ela me liga de novo. Vinte e seis ligações dela, dá pra acreditar? E eu não quero atender. Eu não estou revidando nada, nem retaliando nada. Eu não quero ela na minha vida, essa é a real. E esse sentimento de não sentir nada é esmagador. Acho que eu esperava amar aquela mulher por uma vida toda, é levemente frustrante e ao mesmo tempo satisfatório saber que não. Sem afirmações vazias, eu fugi porque percebi que fui atraída para uma ratoeira emocional. Será que ela não percebe que ficou um pouco tarde pra ela se mostrar apaixonada por mim? Eu queria zerar todo tipo de situação entre mim e ela. E só. E o fiz.
5h09.
Sentada na calçada me permito uma pausa, quero muito terminar o beck, uso a bombinha, já respiro melhor. E aí está o grande detalhe que estragou de verdade minha noite: meu isqueiro não está mais no meu bolso, devo ter deixado no sexto andar e isso me estressa ainda mais, era meu isqueiro favorito... mas eu não vou voltar atrás. Não teria perdido meu isqueiro se eu tivesse ficado em casa. Eu ainda vou rir de tudo isso. Minha terapeuta sugeriu um pouco mais de positividade, então: pelo menos ganhei uma placa nova. Ela brilha no escuro.
Sorte a minha, né?
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