domingo, 9 de agosto de 2020

todo verão tem seu fim

Quem poderia prever que depois de tanto e tanto tempo me pareceria tão estranho e fora da minha normalidade vê-la novamente? Eu nunca. Mas depois de uma curta viagem que eu fiz propositalmente sem pressa, observando e curtindo mesmo a paisagem... eu estava lá, dentro do elevador a um passo de satisfazer a mais um desejo dela: me ver e finalmente ter a conversa que eu sempre pedi e ela nunca permitiu que tivéssemos. Eu sempre fui ótima em satisfazer com primor as vontades dela. Ela já me teve nas mãos, nós pés, no corpo todo... ela me teve, de fato. E agora eu tô aqui travada na porta do apartamento dela, me perguntando qual será a necessidade dela dessa vez? Suponho que deva ser a mesma sensação que eu tive quando do nada eu acordei um dia, cortei a cocaína, comecei a expressar um comportamento menos violento e egoísta, e senti uma necessidade estranha de pedir desculpas para todas as mulheres que eu achei que já tinha magoado na vida. Namastê, paz, amor, good vibes e toda essa porra aí. Ela deve estar sofrendo dessa mesma síndrome, aquela coisa toda de se sentir melhor consigo mesma. Eu cedi pra ideia dela, assumo. Sofro do mal da curiosidade, mesmo que no dia de hoje minhas expectativas sejam nulas em relação a nós e a essa conversa. Acho que perdi o tato e pra ser bem sincera... eu nem sei porque vim. Será que é só gato que morre por ser curioso? Não sei. Só sei que eu tô aqui agora... Apertando a campainha, doida pra saber o que vai acontecer quando ela abrir essa porta.
Trouxe o vinho barato, curiosamente o preferido dela, e duas taças. Ela vai estranhar o fato de eu ter trazido as taças porque nunca nos atentamos nisso, vinho, droga, praia, água com sal, qualquer coisa era só um mero pretexto pra gente se encontrar em algum cantinho do mundo, sem sentir o mínimo (ou quase isso) de culpa, sem assumir que o que mantinha a gente com tanta saudade e proximidade era a simples vontade de estar em companhia uma da outra, só isso e mais nada. E sem dúvida a gente vai tomar esse vinho até em copo descartável e fumar um baseado pra acompanhar e a questão é justamente essa, não teria como ser diferente disso, levando em consideração que nós costumávamos formar a dupla mais suja de todas as festas que fomos, era legal exalar atração e tesão ao lado dela, sujeira mesmo. Era dez minutos de beijos sujos e indecentes e já era. A gente era realmente sem clichês, sem tabus, sem limites... éramos o casal que fodia no banheiro de qualquer balada, pra começo de conversa. Péssimo eu assumir isso assim, de cara limpa. Mas é sempre bom deixar claro que eu só tô aqui porque ela foi o melhor pretexto que eu arrumei pra vencer todo o sentimentalismo pessoal que eu tenho de descer a serra. Eu funciono muito melhor quando faço apostas ou desafios comigo mesma.
E cá estamos, afinal. Eu respiro fundo, ela abre a porta e a gente se encara por alguns segundos. Minha cabeça me lembra que eu só trouxe o vinho porque ela disse que precisava dessa conversa e eu queria deixa-la tranquila pra falar, porque eu queria escuta-la mesmo que eu não tenha pensado em nada relevante pra falar, talvez eu conte algo muito pessoal que ela não sabe e ela faça aquela cara dela de surpresa que eu costumava adorar, ou só concorde com tudo que ela falar. Talvez eu faça piadas ruins e ela morra de rir. Eu não sei exatamente como vou me sentir porque eu estive tão distante dela nesses últimos dois anos, vivendo dia após dia excluindo da minha vida todo e qualquer resquícios da presença dela, muitos ciclos que eu abri e fechei, muitas horas de conselhos e clareza pra cabeça pra entender que ela e eu não tínhamos mais nada. Deu certo. Eu concebi a ideia e a minha cabeça acabou bloqueando tudo relacionado a ela. Eu não sei nem dizer onde que a gente errou ou se realmente ela me fazia mal.
Eu nem sei porque eu vim, acho que arrependida de estar aqui nem é o sentimento correto, acho que talvez eu só não faça mais parte do cenário da vida dela, como um todo. Talvez ela fosse ótima e o problema de fato fosse só eu sendo uma filha da puta 24h por dia.
Eu vivi muitos e muitos dias sem ela. E cada dia foi ficando mais cômodo, cada dia meu peito tempestuoso e apertado foi ficando um centímetro mais confortável. Depois dos primeiros dois meses eu já achava que tinha vivido tempo suficiente pra não me lembrar mais do quanto ela me lembra o verão, tem cara de verão, pele de verão, tem cheiro e sabor de água com sal... que saco. E em todas as vezes que eu a vi na vida, ela riu e me falou que ninguém que nasce aqui nessa cidade usa calça jeans. E tudo bem.
Só é mesmo, de verdade, estranho estar aqui. Parece que eu acabei de jogar fora todo um trabalho de muito tempo. Compensa saber que quando a brisa do baseado bater nós vamos rir umas cem vezes lembrando que minha irmã achava que ela podia ir à escola de biquíni? Não sei. Compensa escutar tudo que ela tem pra falar mesmo que não mude em absolutamente nada a trajetória? Compensa eu estar aqui sabendo que eu prefiro a mulher que eu me tornei longe dos olhos e olhares dela?
É, pois é... eu respiro fundo, ainda tô parada na porta pensando que ela tem mesmo a cara desse lugar, ela me remete a tudo isso. Acho que ela é fundida a esta cidade e vice versa, como se ela pudesse rodar o mundo e e ainda assim se manter local daqui. Ela e esse lugar são a mesma coisa. Estranho como consigo lembrar com bastante precisão de estar aqui, agora não é nem lembrança dela em si, mas do lugar, do nono andar, de eu estar aqui, exatamente aqui... Nesse limite entre o corredor e a entrada do apartamento. Lembro com exatidão de não saber mais quantas vezes eu já atravessei esse mesmo limite da porta com o meu corpo colado no dela, com a minha boca colada na dela. Tantas vezes ao ponto de eu achar que eu seria capaz de paralisar aquele momento pra sempre. Não fui... e ficou uma coisa cheia de pontas soltas. Aquela conversa mal resolvida, aquelas palavras mal interpretadas. Um bololo no meu estômago. Que saco.
Eu não sei porque eu vim. "Entra?" - um sorriso que estampa agora metade daquele rosto. Caralho. Bastou ela sorrir? Alto risco de (re)apaixonamento, eu sei... Mas hoje eu vim protegida, com a minha armadura anti mulher maldita e filha da puta.
Olho pra sala do apartamento e quase nada mudou, talvez o sofá, cortinas... Nossa foto continua no mural, até me sinto especial. Odeio pra caralho quando as coisas mudam drasticamente, mas tirando eu, minha cabeça e meu interior eu poderia afirmar que de resto tudo segue a mesmíssima coisa, pela sala mesmo já reconheço os cantos onde fabricamos diversos dos momentos quase eternos que eu capturei... vários deles! Perdi ou apaguei a todos depois de tudo. Admito que observo tudo. Sempre fui muito quieta, observadora porque minha cabeça fala muito e às vezes nem eu consigo acompanhar. Me lembro de tudo porque acredito que seja humanamente impossível a mente humana conseguir apagar 100% da pessoa, dos resquícios, dos traumas (que geraram uma dificuldade tremenda no apego depois) e dos momentos bons. Mas sei que dela não restou quase nada, admito que alguns momentos ainda mantenho na memória, foram mesmo momentos onde nossa vibe era tão nossa e única que e eu me sentia tão bem que seria impossível me sentir bem o suficiente de novo e hoje, olhando-a como duas mulheres adultas que nos tornamos eu tenho certeza que já me senti muitíssimo bem na mão de outras mulheres também, com muitos e muitos outros sabores e energias que vibraram tão em sintonia comigo. Eu juro, achei que nunca fosse chegar um momento onde eu fosse me olhar no espelho e ter a absoluta certeza de que não sinto a falta dela.
A Lua de hoje, sábado às 23h24, brilha igual a muitos outros sábados que dividimos o mesmo tempo, o mesmo espaço, a vida, e de novo eu na sacada... tomando o vinho que eu trouxe, rindo dos white girls problems dela, enquanto ela fala eu me pergunto como pude pensar que ela era o amor da minha, talvez ela seja mesmo o amor da minha vida. Se é que tem isso na vida da gente. Conhecê-la tão bem é a minha armadilha mental, mas eu sempre me burlo e acabo saindo pelas beiradas, à francesa. Eu não quero mesmo me permitir cair nessa história de novo.
Eu nem sei porque eu vim.
Já escrevi sobre ser o rato que foge dela, e acho que prefiro continuar rato. Mas ela... Ela ficou tão linda e charmosa com o passar dos anos. Ouso dizer que ela nunca esteve tão linda, mas olhando de perto também posso afirmar que ela está linda como sempre.
Ah, e ela também propôs taças!
Nem.
Sei.
Porque.
Eu.
Vim.
Agora eu tô só pensando que nunca vou esquecer também que tínhamos o horrível e delicioso hábito de descer e transar na areia sempre antes do fim da segunda garrafa de vinho, eu nem bebo, e sempre bebi só pra entrar na onda dela e eu com certeza a odeio até hoje por me fazer transar com ela sem no mínimo eu ter lavado as mãos antes. A gente fazia tudo no impulso, de cabeça quente, sem pensar... Um montão de minutos inteiros com adrenalina da mais pura correndo nas minhas veias. Com ela tudo sempre foi acima do necessário, tesão, amor, raiva, ciúmes e todas as coisas que vieram após. O que vinha dela parecia que o impacto era cinco vezes maior que o normal. Agora eu penso que se eu fosse a mesma mulher que sou hoje jamais me permitiria tanto risco.
Ela me fala em saudade, afeto... Amor. Embolada, falando tudo de uma vez, normal, mesma coisa aqui. Deve ser coisa de quem pensa rápido demais. Me fala dos planos, do que rolou com o passar dos anos, com o que ela sente, com o que deixou de sentir, das mulheres que ela se envolveu, vários flashs dela bem louca, dela comigo, dela sem roupa, dela e só dela. Uma noite inteira de risadas e perguntas sinceras "Alguém te comeu que nem eu?" Ela pergunta.. Egóica, filha da puta e até mais do que eu, por isso nunca deu bom. Até quando é sobre mim, acaba sendo sobre ela.
Ela dá risada, e eu não sei porque eu vim.
"Algumas, principalmente a última, até te supera." - não menti.
E eu... eu ainda não sei porque eu eu vim.
Mas é bom, enfim, ter paz ou algo que o valha... E a plena certeza de que não muda em nada na minha vida eu estar aqui.
Câmbio, desligo.


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