quinta-feira, 24 de março de 2016

escapista

Ela me sorri.
São cerca de dez passos até ela.
E posso afirmar banhada em certeza digo: ela é a garota mais linda que encontrei essa noite. Não... Acho que essa classificação babaca e infantil ainda é até pouco, ela é a garota mais linda que eu já encontrei em toda minha vida, até a data de hoje.
Eu estou aqui há cerca de uma hora e já me apaixonei até pela forma com a qual ela segura um copo. Vodca. Exótica. Ela está alterada, assim como eu. São apenas dez passos e eu ainda estou aqui, parada, observando aquela mulher. Eu deveria ir até o canto onde ela se encontra, sorrir de volta e talvez lhe pagar outra bebida, sei lá, algo assim... já que daqui pude notar que a dela já está quase no fim, eu deveria perguntar o que ela tem feito da vida e por onde andou. Sim, até porque o nome dela eu já sei. Acho que sei mais sobre ela do que sei sobre mim mesma até. Ela usa um shorts e aquele tipo de camiseta delicada que te faz imaginar como seria arrancar tudo aquilo no fim da noite. Eu sei como é, eu sei exatamente como ela é... Em algum momento do meu passado aquela mulher já foi tão minha quanto eu fui dela.
Ela foi importante em algum momento da minha vida, mas eu já não me lembrava de como o sorriso dela me tirava de órbita de um jeito bom, nem de como ela é linda e não me lembrava de como os olhos dela, claros como o céu azul, eram tão bonitos. Ela ainda está sorrindo. Penso que talvez ela não esteja sorrindo, mas rindo da minha timidez momentânea e receio em chegar até lá e dizer que eu senti a falta dela nos últimos anos. Ela sabe que é mentira, mas eu deveria dizer que senti. Saudade talvez possa ser subliminar também. Ela é tímida, sempre foi, aliás. Lembro-me da primeira em que a encontrei nessa mesma rua de São Paulo, num pub lixo com cheiro de mijo qualquer umas quadras abaixo. Baixa Augusta, alta temperatura. Calor que provoca arrepio, menina do Rio. Ela me negou por três horas alegando que eu já tinha ficado com todas as amigas dela, dançou com todas as garotas do bar e terminou a noite fumando um baseado comigo na cama dela. Eu deveria oferecer outro baseado, mas essa noite é diferente e por algum motivo eu sinto vontade de sumir com todas essas pessoas que se aproximam dela. Caralho. Sinto que esses anos, dois pra ser mais exata, fizeram muito bem a ela. Ela me parece mais madura, mais mulher. E eu? Continuo a mesma garotinha que teve ela e mais três ou quatro garotas diferentes na cama na mesma semana. Ela foi apaixonada por mim, e eu acho que nunca consegui criar nenhum laço direto com ela que eu tenha percebido. Meu coração nunca foi diretamente ligado ao dela. Nada. Acho. Até aqui. Até olhar ela de novo e perceber o quanto encontrá-a com o mínimo de maturidade na cabeça me faz diferença.
Ela é daquele tipo de garota que tu sabes que pode passar o resto da vida, fazer planos e envelhecer junto, porque alguma coisa nela já te avisa isso de antemão. Segurança e reciprocidade, um olhar e abraço acolhedor... Eu a quero. Pra mim.  Mas... Ela, provavelmente, não vai acordar ao meu lado amanhã de manhã. Não de novo. Ela não faria isso com a vida dela duas vezes. EU não faria isso com ela duas vezes. Da primeira vez ela acordou vestindo minha camiseta dos Smiths, com o cabelo bagunçado, sem maquiagem nenhuma e linda. Eu estava lá pra vê-la acordando, quer dizer, com ela eu não senti aquela vontade maluca de sair correndo antes de ela acordar e pedir o número do meu telefone ou descobrir que meu nome era diferente daquele que eu havia dito algumas horas antes. Com ela tudo foi diferente, as semanas seguintes foram diferentes. E eu acordei ao lado dela por muitas vezes, ela continuou usando minhas camisetas favoritas ao acordar e nas inúmeras manhãs que dividimos ela continuava cada vez mais linda, sério, linda em cada novo amanhecer.
Ela não mudou minha vida, mas mudou aquela época.
Ela foi o mais próximo que eu cheguei até hoje de me envolver emocionalmente com alguém, o mais próximo de um relacionamento digno e de verdade que eu já estive. Eu me sentia realmente honrada em ser a garota que segurava a mão dela, essas ideia.. Ela atrai olhares e leva contigo suspiros por onde ela passa e ver essa garota ao meu lado foi algo satisfatório pra mim. Em algum momento eu pensei que nós fossemos dar certo. Tinha tudo pra dar. A mãe dela me adorava, o pai dela fumava maconha comigo e os amigos dela eram um saco cheio de playboys de sapatênis, e eles se amarravam em mim.
Ela era um pacote de felicidade esperando ser aberto por alguém especial, um presente. O problema mesmo era comigo, eu sempre soube que não era eu essa garota especial, eu nunca fui realmente boa em nada, nunca fui especial pra ninguém e até prefiro assim porque em dado momento, enquanto as coisas estão indo bem eu vou estragar tudo. Acho que isso é um dom, um incrível dom de ser idiota quando se é esperado apenas ser uma pessoa digna. Eu gosto do meu caos emocional. Então eu fugi. Fugi dela, da família perfeita, das fotos coladas do mural, fugi depois do primeiro “eu te amo” que ela me disse, fugi quando cogitei a possibilidade de uma aliança com meu nome no dedo dela.
Mas ok.
Ela continua ali.
Não sei o que ela espera de mim agora, esta noite.
Talvez ela só espere que peça desculpas e talvez eu devesse mesmo. Mas não essa noite. Como eu disse, eu continuo sendo só a garotinha oportunista viciada em sexo que cruzou a vida da menina legal. E são onze passos, doze passos, treze... Quatorze, quinze dezesseis passos... Porta de saída.

Continuo sendo o rato que foge dela.





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