Ouço sua respiração. Assustada. Acordo e olho pros lados,
não há nada. O quarto continua intacto. E é sempre assim, toda noite se repete.
Levanto-me da cama, abro a janela e acendo um baseado na tentativa de acalmar
minha solidão. E então me bate aquela sensação de que eu ainda posso ser quem
eu sempre fui, a sensação que me faz sentir como se eu ainda fizesse parte da
sua vida, uma sensação dolorosa que me faz sentir como se eu tivesse a
obrigação de te salvar de alguma coisa. Nem que pra isso eu dê minha própria
vida. E aí é a parte que dói. Suas memórias estão por toda parte, guria. É
inevitável que a gente se encontre vez ou outra dentro deste apartamento,
dentro de alguma gaveta, em alguma fotografia. Nós estamos lá. Estivemos.
Encontro o cheiro do seu shampoo no meu travesseiro, seu perfume impregnado no
meu lençol, no meu corpo, na minha existência. O seu sorriso contaminando a
minha mente... Seu rosto está em todos meus sonhos e até a porra da marca bem
vagabunda de cigarros me faz lembrar você com suas piadas;
Eu queria esquecer.
Olho pra rua, as pessoas passam apressadas. Os carros correm o tempo todo lá
fora. Pra que tanta pressa? Dou um trago no baseado. Eu nunca vou entender a pressa do ser-humano em viver.
São 3h09.
Sei que não vou conseguir mais dormir e tem sido assim há
alguns dias, meses pra falar a verdade. Quanto tempo mais vai demorar pra eu
superar essa porra desse sentimentozinho do caralho?
Volto pra cama, o espaço vazio me joga de um lado pro outro. A janela continua lá,
aberta... Como se por ali fossem fugir todos meus medos, todos esses
sentimentos.
Engraçado. A minha vida se repete, dia após dia. Você sai, você fica com outras
pessoas, você se apaixona por outras pessoas, você trepa com outras pessoas e
foda-se, eu continuo esperando pela sua volta. E isso não está me levando a
lugar nenhum, sabe? Esperar pelo impossível. Toda noite você está na minha
mente, toda noite eu já tenho certeza que vai haver alguma coisa que me leve
até você, pensamentos, sonhos, saudade... Eu penso em você nas coisas mais
simples da minha vida, nas coisas mais simples do meu dia e no momento eu me
sinto totalmente incapaz de ser alguém melhor e ter uma postura melhor em
relação a isso. Em relação a “nós”.
Eu NUNCA vou conseguir aceitar que você se foi. Você foi por todo esse tempo (e
ainda é) a melhor coisa que eu já tive. E eu fiz com que você fosse embora.
São 3h52 agora.
A janela continua aberta. Os carros continuam apressados. E,
como toda noite, eu continuo tentando fechar os olhos. A janela continua
aberta. 4h01. O frio rotineiro e matinal de São Paulo já invade o quarto. Tudo
continua em silêncio. Tudo está em silêncio há tempos. Pelo menos o interfone
ainda fala comigo, às vezes. Levanto-me, acendo mais um baseado e alimento um
pouco mais da minha dor e saudade. Olho pra baixo. São doze andares até a
avenida. Sempre me perguntei quanto demoraria uma queda até o chão. Isso
estragaria as vitrines bonitas e pomposas da rua. Quanto tempo demoraria? A
minha queda, aliás, a queda da minha vida demorou quatro minutos e seis
segundos. Foi exatamente o tempo que você usou pra dizer que não me amava mais.
Quatro minutos e seis segundo.
Mas quanto
tempo levaria até o chão? Aposto que levaria apenas segundos e seria bem menos
doloroso. Não tem volta. Respiro fundo. Trago o baseado. Continuo olhando fixo
lá pra baixo. O vento frio bate no meu rosto, sequer deixa que as lágrimas
escorram. Já não sinto o chão. Não posso mais me proteger de mim mesma, nem
desses pensamentos. O baseado acaba, acendo outro logo em seguida, minhas mãos
estão suadas, geladas... num piscar de olhos me encontro sentada no parapeito
da janela. Ironicamente, sorrindo, imagino a sujeira que eu causaria quando
encontrasse o chão. Sorrindo, prestes a cair do décimo segundo andar. Não há
sacada. A queda é mais rápida que quatro minutos e seis segundos. Já não sinto
mais dor. A sensação de liberdade toma conta do meu corpo. Estou livre, estou
livre... E então meu grito acorda a vizinhança.
Assustada. O grito foi inevitável. Acordo e olho pros lados, não há nada. O
quarto continua intacto. Eu continuo deitada na cama. Não há queda. E é sempre
assim, toda noite se repete. Levanto-me da cama, abro a janela e acendo um baseado.
E então me bate aquela sensação de que eu ainda posso ser que eu sempre fui, a
sensação que me faz sentir como se eu ainda fizesse parte da sua vida, uma
sensação dolorosa que me faz sentir como se eu tivesse a obrigação de te salvar
de alguma coisa. Nem que pra isso, eu dê minha própria vida.
Eu vou acordar o vizinho, eu vou riscar os corpos, eu vou te telefonar...
... E dizer que eu só preciso dormir...