Todos as evidências e detalhes dessa mulher me impressionam desde que eu a vi a primeira vez descendo a minha rua com o cachorro dela, ela parecia tirada de um filme, tipo Amélie Poulain, é como se meus olhares quando direcionados para ela ficassem iguais aos dos casais mais apaixonados do cinema mesmo, em câmera lenta. Me encantam. Louvre em formato de mulher. Uma obra de arte contemporânea, pop art, paixão nada momentânea. Me causa fascinação, estranhamente eu não consigo parar de olhar pra ela. Mas a curadora de arte é ela. E pra mim, ela é um quadro que ilustra muito da minha felicidade, me prometeu que a exposição de Monet seria só minha no final desse ano, pelo menos por uma noite.
Quase nunca dorme comigo, rotina regrada, dieta balanceada, acorda às 6h da manhã de segunda a segunda e não fuma nada, do jeitinho "boa menina", do tipo que nunca causou uma preocupação sequer à família. Nem escolar, porra nenhuma. Nunca deve ter tirado nem nota baixa. Ela é até tilelê demais, aposta na ioga às quartas feiras, na quinta às vezes é dia de esteira e vai de LSD no final de semana, acha um horror eu beber whisky puro. É tanta diferença que nem dá pra lembrar todas, eu chego com dois pés na porta e ela sempre neutra, muita paz, até demais, em cima do muro. Mas funcionamos bem, somos especialista em fazer dar certo. Só que não tira o peso de sermos total opostos, a gente não tem nada a ver a não ser essas ideia de a gente se olhar e se querer. Eu gosto do jeito dela, focado, mas atrapalhado e bonitinho. A conversa sempre rende porque tem equilíbrio, gosto do cabelo bicolor, bagunçado e esquisito... que é tão bom de bagunçar, e dos olhos gigantes que me miram, eu transpiro amor e eu poderia saltar pra dentro dos olhares dela e ser engolida por eles a qualquer momento, bastava ela querer. E como diria Zé da Luz, ai se sêsse...
E nós duas juntas é uma vibe meio Eduardo e Mônica, também. Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?
Ela me ocorreu em um dia apático, cinza, chegou simpática, o dia era frio, as únicas cores que eu vi naquele dia foram as cores das roupas dela. E achei a coisa mais fofa ela estar usando uma meia preta e outra amarela. E a gente não tem nada a ver, ela é igual à personagem de filme francês clichê, e eu adoro os clichês, ela é tão calma, paz e amor, eu bagunço a mesa, invento regra e roubo o jogo. Mas com ela eu nem queria jogar. Só a mesa, um vinho bom e uma playlist de música esquisita que ela gosta, pra animar. Porque eu parei entende? Parei nela e em toda a situação.
Foi como se ela dominasse minhas tardes e fosse dona de todas as suas diversões, como se a chuva não fosse capaz de estragar os meus sorrisos e os dela, meu encontro com ela.
O doce batia na minha mente e a bala na mente dela. E tudo se encaixava bem, como se tudo que aconteceu fosse feito pra ser com era, ela é tão ela e as outras tão iguais. Foge muitíssimo das minhas fodas banais.
Ela é tão solta no jet, tão minha no jet. Conversa com todo mundo sem me abandonar, parece que se divide em duas. Me apresenta pros amigos como namorada, eu dou risada e confirmo que sou, mesmo eu não sendo nada. Quando fala comigo em francês eu fico apaixonada, gosto de sentar com ela no chão do quarto amplo e branco, duas loucas de ácido e fingir que estamos fazendo um piquenique em Paris. Eu a faço imaginar a cena toda e ela entra na minha e ri. A gente se diverte assim, ela da risada, fala que eu sou louca, eu peço beijo e ela responde "oui oui". O maior defeito dela é fazer eu me sentir bem em qualquer ocasião, lugar, dia, hora, nunca importa... Só me sinto feliz.
segunda-feira, 8 de novembro de 2021
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
Luna
O sol batia na janela do quarto dela, eu conseguia ver nitidamente os raios invadindo o quarto por entre as frestas da janela e transpassando a cortina também. Coloquei meus óculos e enxerguei a precisão invejável com a qual a baixa claridade dançava no corpo despido e adormecido dela. Me lembrou Les Coquelicots, do Monet. Sai e entrei silenciosamente do quarto algumas vezes, acendi um baseado na sacada gelada, pensei que nem pertenço a esse lugar. Eu morreria de tédio no mundo dos boy. Meu relógio já despertou, eu ouvi e ignorei, e é meu lembrete de que é a hora mais que perfeita pra ir pra casa. Satisfação é quando o alarme toca e eu já estou dentro do meu quarto. Normalmente, sozinha. Todos os dias o meu alarme toca às 5h07 da manhã. Todos os dias. E é só um lembrete. Eu sempre tô checando as horas, e normalmente nunca perco tempo.
Eu odeio muito quando amanhece, ela sabe, e sabe também que normalmente eu não me faço de rogada, pego minhas coisas espalhados pelo quarto e saio da casa dela sempre antes mesmo que ela esboce acordar, sem crise, sem problema pra ela também. Ela me conhece. Eu não tô nem aí mesmo. Dou um beijo na testa, um beijo na boca, um doce qualquer pra melhorar e adoçar o dia dela, um bilhete fofo e um beck bolado pra ela pensar em mim durante o dia todo - e eu sei que ela vai porque eu também vou, acho. - mas ela sabe que eu não sou do tipo que vai voltar a existir na vida dela e socializar com ela ou pagar de casal, zero habilidade social, eu nem sei existir direito uma vez ou outra, não mesmo, não tenho nem tempo pra socializar tanto, mas hoje... Hoje eu estiquei o dia, prolonguei a madrugada só pra testar como eu me sentiria. Nem eu sei o que eu ainda tô fazendo aqui.
E eu tô aqui agora andando pelo quarto dela pensando no quão incrível foi a noite. Mas também pensando no quanto eu quero fugir daqui, queria poder me teletransportar pro meu quarto e estar nua na minha cama, sozinha, agora, fumando um baseado e me arrependendo por ter vindo. Deveria ser proibido gozar e dormir junto. Deveria ser proibido ser apaixonada por mulher filha da puta.
E normalmente, pra ser sincera, minha bateria social esgota antes do dia rasgar a madrugada. Pra mim, só a madrugada tem encanto, eu não quero existir na vida dela durante o dia porque, pra mim, isso implicaria em tantas outras coisas que honestamente eu não quero mais ter que lidar E a gente tem que saber claramente o que quer pra si.
Mas eu já estou aqui, né? Caminhei em círculos por alguns minutos pelo quarto dela porque isso me ajuda a pensar, enquanto a observava dormir, lembrei do quanto gosto dela, pensei que gostava mais antes, mas ainda sigo pensando que ela é especial quando ela toca meu rosto, quando me beija e todos os etc's que a atração carnal proporciona. Eu tô cansada de ser só diversão pra mulheres iguais a ela. Na verdade cansada de ser diversão pra essa mulher. E eu sei que eu sou. Mas continuo me permitindo me induzir ao erro. Aos erros. Já me falaram que dormir junto apaixona, mas acordar junto que é foda pra mim. Olhar ela dormir que é foda pra mim.
E além do mais, eu não durmo muito mesmo.
Tanto faz.
Eu não gosto mesmo quando amanhece. Não gosto nada.

